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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Avaliação do Congresso do DCE - UFAL

Avaliação do Grupo Além do Mito sobre o CONDCE


O movimento estudantil da Universidade Federal de Alagoas deu um passo importante no que concerne a sua reconstrução nos últimos dias 12 a 16 de novembro. Durante esta data, delegados de diversos cursos da universidade se reuniram no VI CONDCE e reformularam o problemático estatuto do Diretório Central dos Estudantes. Dando ao mesmo a configuração que acreditavam ser a mais interessante para o momento conturbado em que vive a militância estudantil da Ufal, bem como para a esquerda e os movimentos sociais como um todo.


É praticamente impossível falar em CONDCE sem antes rememorarmos o que foi nos dois últimos anos o movimento estudantil da Ufal. É praticamente incontestável o fato de que vivemos um refluxo do movimento como um todo, as forças políticas de esquerda se encontram hoje – sem exceção – completamente desmobilizadas, indo pouco além de organizar seminários, palestras ou eventos de pouca repercussão política efetiva.


Não vamos aqui procurar um elemento que defina e chegue à raiz desse problema, cabe apenas ressaltar que esse descenso vem sendo compartilhado por todos os grupos que intervém politicamente na universidade, reduz o número de militantes organicamente ativos e atuantes e traz problemas de renovação de quadros para o movimento o que, ás vezes, dificulta a viabilidade de atividades e tarefas candentes e necessárias para o cotidiano do movimento.


Essa desmobilização repercutiu de forma clara e exemplar no processo de tiragem de delegados para o congresso. Praticamente não houve Centro Acadêmico ou grupo de estudantes que conseguiu realizar seu processo eleitoral sem percalços em conseqüência desses problemas que geram na base estudantil uma inevitável apatia política. Lutou-se para atingir quórum nas assembléias ou votações, tentou se mobilizar membros nas comissões eleitorais para viabilizar da forma mais efetiva o processo, lutou-se contra o relógio para conseguir realizar aquilo que em outros tempos fora tão prático e corriqueiro.


No final das contas tivemos um número de delegados inscritos aquém do esperado, se levarmos em conta o número de estudantes que temos nos diversos campi da universidade, e um número menor ainda de delegados participando ativamente da construção do congresso. Muito disto,creditamos a falta de debate político de algumas chapas para com suas respectivas bases. Lógico que não foi um número de delegados que em si fosse capaz de deslegitimar o próprio congresso e o que nele fora aprovado, mas óbvio que, para quem constrói lutas é sempre esperado o número mais elevado possível de participantes.


Apesar destes problemas, não deixamos de avaliar o congresso como um espaço que cumpriu com seu papel e conseguiu indicar um caminho pelo qual vai seguir agora a reconstrução da luta na Ufal, nos colocamos para reformular o estatuto e conseguimos realizar esta tarefa de suma importância. A partir deste momento, então, faz-se necessário nos determos especificamente no papel que desempenhamos no congresso enquanto força política coerente e que vem mantendo em todos esses anos sua coerência e segurança no que diz respeito ao seu projeto político.


Há anos o coletivo de bases Além do Mito vem pautando a atualização do estatuto e a construção de um congresso estatuinte. Este tema trazido a tona pelos militantes do grupo nos diversos espaços em que se fizeram presentes, particularmente nos últimos meses dentro da gestão do DCE e nos últimos CEBs ocorridos. E não é desrespeitar os demais lutadores nem tampouco pura soberba afirmar que o mérito da construção desse congresso cabe em grande parte ao coletivo Além do Mito, única força política que esteve presente integralmente em todo o processo de construção do CONDCE.


Frente a isso, também não podemos deixar de lembrar que houveram forças políticas que colocaram a construção do mesmo em segundo plano, de forma extremamente oportunista, alegando que era necessário realizarmos novas eleições e postergarmos a reformulação do estatuto para um momento indefinido. Felizmente proposta tão danosa aos estudantes da Ufal não foi levada adiante e as forças que a colocaram – a saber, correnteza e Ujs - voltaram as bases para realizar o debate da tiragem de delegados.


Já mencionamos que o número de delegados presentes nas discussões não era condizente com o número de delegados inscritos, mas não podemos deixar de ressaltar que os presentes nas discussões foram estudantes que demonstraram um genuíno interesse pelo debate da reorganização tanto a nível local quanto nacional, participando de GD’s que iam até altas horas e propondo debates em todos os espaços. Foram esses estudantes que reafirmaram o rompimento do DCE frente a reacionária UNE, marcando seu compromisso com a reorganização do movimento em outros marcos mais avançados do que os que geralmente vem sendo colocados. Foram esses estudantes que optaram por um DCE a favor da fusão entre a CONLUTAS e a INTERSINDICAL, a favor da formação de uma nova central sindical, reconhecendo a importância da reorganização do movimento dos trabalhadores. E principalmente, foram esses os estudantes que optaram por um DCE construído através do regime da proporcionalidade para pautar as lutas dentro do movimento, para articular todos os campi da universidade na tentativa de sepultar a letargia que há anos nos assola.


Sem admitir mais nenhuma postergação e optando por decidir naquele precioso momento o que necessitava urgentemente ser feito, os estudantes ali reunidos deram a resposta que julgavam mais interessante para responder a desarticulação que existe entre os estudantes, apostaram em um DCE proporcional para gerir a imensa universidade que a Ufal se tornou com a criação de mais um campus no sertão do estado. Cabendo fazer aqui a ressalva de que embora os estudantes do interior não tenham estado presentes no congresso não se deixou de pensar neles e em se formularem propostas que visassem sanar os problemas que temos conhecimento.


O Além do mito, como grupo autor dessa proposta e como principal força empenhada na viabilização do congresso em seus aspectos estruturais e físicos reconhece o peso que exerceu nessa mudança e não deixa de reconhecer também que foi através dos debates dentro da gestão “amanhã vai ser outro dia” que se construiu o que viria a ser essa proposta formulada pelo grupo, como uma experiência que o DCE merece passar para tentar sanar os problemas que há anos vem vivenciando.


Reafirmamos nosso compromisso com os estudantes da Universidade e garantimos que faremos a autocrítica quando ela se fizer necessária, porém, não nos furtaremos a reconhecer que prosseguimos o debate que nos colocamos desde 2007 e construímos esse congresso com o ardor de quem via nele uma necessidade impossível de ser adiada por mais tempo.


Chamamos novamente a luta a esquerda da Ufal como um todo, para prosseguirmos na luta e no debate das diferenças, criar um movimento estudantil que dê respostas concretas aos estudantes e a educação pública, um chamado inclusive aos grupos que já estiveram ao nosso lado em outros momentos e agora estão afastados da base e da luta concreta, um chamado a um movimento estudantil democrático, orgânico, autônomo e combativo. E socialista.

GRUPO ALÉM DO MITO...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Para onde foi a reorganização?

Para onde foi a reorganização?

Avaliação do Grupo Além do Mito sobre o Congresso Nacional de Estudantes

Este é um documento síntese do debate interno do Grupo Além do Mito... sobre a reorganização do Movimento Estudantil e as consequências do Congresso Nacional de Estudantes para este processo, o qual, por decisão do Grupo, se faz público. Busca-se um entendimento preliminar e tão detalhado quanto o possível, tendo em vista o momento em que é produzido este texto (em torno de um mês após o congresso) de em que ponto se chega da reorganização e de como se chega até ele.

Como a luta de massas não mais se faz de forma direta (e este é um dos traços do momento contra-revolucionário que vivemos), mas através da mediação do burocratizado aparelho sindical e partidários (seja ele PT ou organizações menores, como PSTU, PCdoB, etc.), a luta por espaço no interior destes aparelhos substitui a militância dos revolucionários junto às massas”. - Sérgio Lessa em Crítica ao Praticismo “Revolucionário”.

O Movimento Estudantil (ME) brasileiro encontra-se frente a uma profunda necessidade de reorganização própria. Esta reorganização vem se dando em um processo que conta com avanços e recuos iniciado no princípio desta década. Em 2003, como expressão desta necessidade, ocorre o rompimento de vários setores do ME com a União Nacional dos Estudantes (UNE). Seis anos depois, tem lugar o Congresso Nacional de Estudantes (CNE), a maior iniciativa levada à frente na tentativa de sintetizar o acúmulo conseguido pelo Movimento durante este período. Tendo lugar na UFRJ, entre os dias 11 e 14 de Junho, o CNE e suas consequências, entre elas a fundação de uma nova entidade estudantil, a Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre (ANEL), levam este processo a uma situação distinta de que tivemos até o momento.

Antes da tomada de novos passos, antes mesmo da formulação das próximas políticas conjuntas do ME, é imprescindível uma avaliação do que significam estes novos elementos e sua presença no cotidiano estudantil daqui para frente. É necessária uma avaliação da situação geral do Movimento Estudantil pós-CNE. Esta discussão não se poderá fazer de forma consequente descolada das implicações recíprocas que tem em relação ao período que a precede. Ou seja, de um resgate do que representou a ruptura com a UNE, as tentativas anteriores de aglutinação por fora desta entidade, as lutas que se deram neste contexto e uma série de diversos elementos que não poderão ser deixados de lado.

É certo que viveremos um período de consequências, após o Congresso, do qual podemos apenas vislumbrar seu início. Sem dúvidas, o devido recuar da história trará mais elementos e maiores recursos para a construção desta discussão, não podendo ela se pretender acabada aqui. Porém, é a dinâmica do movimento real que exige, hoje, uma explicitação, ainda que preliminar, do momento histórico pelo qual passarão os estudantes. O objetivo do Grupo Além do Mito e deste documento é contribuir com este debate, sem o medo de enfrentarmos-nos com o tribunal da auto-crítica futuramente, ou mesmo de pôr em prática as posturas que nossos possíveis acertos demonstrem necessárias.

De como chegamos até aqui ou do que significa a ruptura com a UNE.

A história do Movimento Estudantil é bastante documentada e, por este motivo, aqui tentaremos suprimir a discussão acerca dela em-si, mas ressaltar os pontos que se apresentam como mais relevantes para o debate em tela. Após os anos de chumbo da Ditadura Militar, durante os quais representou o espaço qualitativamente superior de aglutinação dos estudantes em luta contra o regime e pelo resgate de uma democracia constitucional, a União Nacional dos Estudantes é refundada em um congresso que, talvez por ironia histórica, deu-se exatos trinta anos antes do CNE, em 1979.

Como é bastante evidente, a discussão do papel desta entidade não se pode fazer separada de uma reflexão sobre o próprio caminhar da esquerda brasileira. O período da redemocratização traz, junto com ele, um impulso a uma institucionalização cada vez maior das maiores organizações populares deste período. Somado ao processo de refluxo e de repetidas derrotas às quais é submetida a classe trabalhadora, esta institucionalização faz a luta no interior da esfera parlamentar passar, cada vez mais, a figurar como principal preocupação destas organizações. Por outro lado, as que conseguem ultrapassar a barreira parlamentar, em sua grande parte continuam perdidas nas preocupações com o jogo político geral, deixando de lado a centralidade da estruturação estratégica do trabalho para um enfrentamento direto ao capital. As consequências para as entidades que, como a UNE, possuem o papel de sintetizar a resistência popular aos projetos postos em movimento pelo capital não poderiam ser menores. É desnecessário dizer que esta tática política, de viés geralmente reformista, não pode levar os trabalhadores a qualquer outro lugar senão à mais profunda vala da derrota. Ainda assim, ela vai se tornando sempre mais presente e é cada vez mais difícil de afastar seu legado para o movimento.

A inversão do papel da ação direta dos trabalhadores e estudantes em relação à atividade parlamentar, fruto de uma impossibilidade de um diálogo frutífero com as bases sociais destes movimentos devido ao momento histórico de crise geral de alternativas para a classe que se vive, vai abrir as portas para o desenvolvimento do processo de burocratização, mais ou menos consciente, que os atinge em praticamente todos os seus níveis. Esta realidade irá justificar a valorização, cada vez maior, da disputa da direção das entidades, especialmente as que, supostamente, possuiriam maior área de representatividade e, por isto, maior peso na política nacional. É o caso da própria UNE e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Tratando especificamente do caso da entidade estudantil, embora os traços que serão citados sejam também, em partes, idênticos à central sindical, este processo se matura de maneira gradual durante as últimas décadas. As principais consequências são, justamente, a morte da democracia interna da entidade, levada à frente pela necessidade de suas direções em agarrar-se a seu aparelho, possibilitando a sua cristalização e, como não poderia ser diferente, o engessamento e o afastamento cada vez maior da UNE de suas bases e da luta estudantil.

Este processo vai se tornar inegável de tão explícito a partir da chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência da república. Com a eleição de Lula em 2003 a UNE demonstra-se, de maneira clara, como uma mera correia de transmissão do governo frente ao movimento. Seu principal papel será o de, sob um discurso democrático, camuflar a verdadeira face cruel e neoliberal das políticas aplicadas pelo Governo Federal tanto na educação, quanto em diversas outras esferas.

Passando de mala e cuia para a defesa do projeto do capital a UNE, que apesar de sua inerente burocratização ainda esboçava sinais de resistência em períodos anteriores a Lula, deixa em um vazio organizacional o Movimento Estudantil combativo. Este contexto vai impulsionar a ruptura que se dá em 2003.

É necessário, contudo, precisar o real significado desta ruptura. Ela não se dá simplesmente pelo fato de que a UNE, hoje, não organiza a necessária oposição aos projetos do capital para a educação e a sociedade em geral. Muito mais profundo do que isto, a ruptura com a União Nacional de Estudantes não deve significar, apenas, o abandono do aparelho que ela representa. Não é um rompimento meramente político. É uma negação, não apenas das bandeiras atuais da entidade, mas das concepções que a dirigiram para isto e dos métodos de movimento que garantiram este processo mesmo sem sua aceitação real nas bases. É uma ruptura construtiva e em construção, posto que sua principal função é a de resgatar os princípios de um Movimento Estudantil classista, combativo e autônomo, capaz de tomar para si as bandeiras da classe operária e da superação da sociabilidade do capital, se não enquanto tarefa da ordem do dia, pelo menos enquanto estrutura estratégica de atuação. Somente assim, o processo de reorganização poderia ser consequente em seu todo e coerente com suas própria premissa, qual seja: a UNE está morta para a luta.

Dos caminhos e contradições da reorganização.

No momento de seu acontecimento o rompimento com a UNE não poderia ter sido mais polêmico. Em verdade, somando-se os setores organizados do ME que afirmaram a ruptura com a entidade obtinha-se uma minoria do que representava o todo do movimento. Por outro lado, se quantitativamente os setores dissidentes representavam pouco peso entre os estudantes, restou demonstrado, depois de um curto período que em termos qualitativos a realidade apresentava-se de maneira diversa.

Fundada em 2004, em um Encontro Contra a Reforma Universitária, na UFRJ, a Coordenação Nacional de Lutas dos Estudantes (CONLUTE), apresentou-se como o primeiro pólo de aglutinação nacional daqueles setores que passaram a negar a UNE. Enquanto esboço de organização a CONLUTE esteve presente nos principais focos de luta que se deram no período que seguiu sua fundação, com um destaque especial para as ocupações de Reitorias que ocorreram em 2005 e os Comandos de Greve que se organizaram nas IFES naquele ano.

Em oportunidades anteriores discutimos os limites e acertos que identificamos na experiência da Coordenação. Por isto, aqui queremos destacar apenas os pontos mais relevantes para o debate posto. A CONLUTE foi a primeira tentativa de articulação nacional do Movimento Estudantil construída completamente desvinculada da União Nacional dos Estudantes. Como não poderia deixar de ser, por esta própria realidade sofreu em sua trajetória dos mais diversos obstáculos estruturais, metodológicos e, em certa medida, políticos. Exemplos são a constante confusão de funcionamento de seus fóruns (não se tinha por certo quem estaria apto a convocar reuniões e como as convocaria, qual o peso real dos colegiados estaduais e regionais que chegaram a se formar, quem tinha legitimidade para falar em nome da Coordenação etc.), a ausência de um programa de princípios claro e rígido, a frouxidão de seus métodos etc. Até mesmo o relativo sectarismo de suas posturas iniciais pode compor este rol de deficiências.

Estas questões, no entanto, encontram sua causa na própria essência do que era a Coordenação Nacional. Ou melhor, no que ela não era. A CONLUTE não era, nem se pretendeu ser, uma entidade. Não chegou a possuir regimentos, princípios, estatuto, fóruns de deliberação de bases, real legitimidade etc. E não possuía, de fato, a função de suprir esta lacuna. Seu papel foi o de ser um espaço de síntese do ME que se organizava em torno daquele que seria o início consciente do processo de reorganização dos estudantes.

Nada disto impediu que ela alcançasse méritos em seu caminho. A experiência deste instrumento trouxe pelo menos dois ganhos ao Movimento que conseguimos facilmente identificar. O primeiro deles foi a experimentação de uma nova geração de estudantes disposta a construir a luta de uma maneira qualitativamente nova, com uma reflexão mais aprofundada sobre o que representa a burocratização no seio do Movimento e um ímpeto combativo que a fez, inclusive, prescindir de entidades para organizar sua resistência ao projeto neoliberal em curso (a exemplo da própria UNE, mas também de entidades de base que encontravam-se sob o domínio do aparato governista e, por isto, engessadas, como foi o caso e o papel do DCE-UFAL na ocupação de reitoria e greve de 2005).

O segundo ganho foi a materialização, pela primeira vez, de uma crítica consequente à experiência da UNE em conjunto com a apresentação de uma postura coerente à situação vivenciada pelo ME. Ou seja, a CONLUTE teve o mérito de, pela primeira vez, formular e construir uma tentativa de diálogo com a base estudantil no sentido de apresentar e bancar a proposta de uma radical ruptura com a entidade estudantil burocratizada e governista. Este debate conseguiu enraizar-se em alguns focos do país, estando mesmo entre alguns dos locais de maior articulação das lutas, chegando a constituir colegiados estaduais da Coordenação. Além disto, teve seus reflexos mesmo no movimento de área, em que, em diversas executivas de curso, formaram-se articulações de estudantes em torno da proposta de ruptura com a UNE( podemos citar como exemplo as executivas dos cursos de Educação Física, Letras, Comunicação, Medicina, Nutrição, Serviço Social, História, Biologia etc., e mesmo em cursos sem executivas organizadas como Ciências Sociais e outros).

Mesmo com todas as limitações citadas, e graças aos méritos que também devem ser reconhecidos, a CONLUTE conseguiu, então, demonstrar algo que, anos depois, não pode mais ser negado: a luta estudantil não encontra mais possibilidades de construção por dentro da UNE. Isto acabou fortalecendo a polarização, por vezes hipervalorizada por certos setores (de ambos os lados da corda), mas realmente existente entre a CONLUTE e a antiga entidade. Sem dúvidas o sectarismo inicial dos setores da Coordenação Nacional abriu margem para equívocos de leitura geral, mas por outro lado, não se pode cair do discurso vazio de que não existiu uma concorrência real e antagônica entre os dois instrumentos. Se por um lado a UNE representava, já àquele momento, o imobilismo e o governismo, a CONLUTE representou, se não de fato, pelo menos em potência, a construção das lutas e a autonomia frente aos projetos do capital.

A impossibilidade de construção consequente de lutas por dentro dos fóruns da União Nacional dos Estudantes demonstra-se de maneira definitiva a partir da construção, em 2006, da Frente de Luta Contra a Reforma Universitária. Pela primeira vez os setores que romperam com a UNE e os que nela permaneceram, mas que tinham posturas táticas comuns, dentro de um espectro geral de oposição de esquerda ao Governo Lula, reúnem-se em um instrumento no intuito de construir lutas conjuntas.

A Frente de Luta demonstra-se capaz de impulsionar com mais força as lutas dos estudantes, o que resulta no processo de ocupações levadas à frente no ano de 2007. No entanto, suas limitações eram ainda mais fortes do que seus méritos. A Frente, mais do que qualquer outra coisa, demonstrou-se como um pólo superestrutural de organização. Seu funcionamento através do método do consenso, na prática, abriu margem para os mais diversos acordos entre as direções do processo, engolindo as minorias e mesmo os militantes de base. A própria CONLUTE não serviu para nada além de um suporte tático para a política do PSTU em suas tentativas de aproximação tática ao PSOL. A situação chegou ao cúmulo de reuniões do Colegiado Nacional da Coordenação serem convocadas para depois de plenárias da Frente, o que demonstra que a CONLUTE não poderia agir enquanto articulação real nestes espaços de discussão, mas serviria apenas para legitimar as suas decisões, ou levar às bases as propostas recusadas de sua majoritária (belo exemplo foi Plebiscito Nacional Sobre o ReUni).

Neste contexto, o debate que levava às bases a necessidade de ruptura com a UNE e de construção de um Movimento Estudantil renovado, foi engolido nos consensos politicistas da Frente. Isto acaba servindo para brecar, neste aspecto, o processo de reorganização que vinha tomando curso. Brecar, mas não interromper. Se algo ficou claro neste momento foi a contradição em que se meteram os setores da Frente de Oposição de Esquerda da UNE (FOE) ao continuarem legitimando a entidade, recusando um consequente rompimento com a mesma, ao mesmo tempo em que, pelas próprias implicações práticas da dinâmica do movimento, precisavam de um instrumento desvinculado de seu aparato para tocar suas bandeiras de luta.

A Frente se esgotou, consequência da própria limitação de seu método organizativo de curto prazo de validade. A contradição, porém, continuou. Durante os embates organizados no período de sua existência, em especial a luta contra o ReUni, a polarização entre Movimento e UNE demonstrou-se de maneira mais visível do que nunca. A UNE, durante todo o processo de mobilizações, jogou um papel de contra-movimento, boicotando e deslegitimando ocupações de reitoria, atos, manifestações e debates, chegando ao verdadeiro despautério de defender Reitorias e as mais diversas representações da burocracia estatal e universitária, contra os protestos organizados pelos próprios estudantes. Assim aconteceu em estados como Alagoas, Sergipe, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul etc., e nada foi mais eloquente do que o silêncio da entidade sobre a Ocupação da USP daquele momento.

Esta análise do que representa esta contradição, portanto, nos parece fundamental para uma avaliação do CNE, posto que alguns setores que o compuseram e construíram encontram-se imersos nesta situação. Por outro lado, seu peso relevante no processo de lutas faz com que o próprio Congresso Nacional de Estudantes tenha pendido para uma posição muito mais moderada em relação a esta questão do que o foi a Coordenação Nacional de Lutas dos Estudantes.

Da perplexidade geral: Rompimento com a UNE x construção da unidade?

É mais que evidente que o processo de reorganização não poderia se dar sem avanços e recuos em seu trajeto. Muito menos, poderia acontecer de forma absolutamente consensual entre as leituras e concepções que agem em seu contexto. É óbvio, também, que o novo sempre carregará traços da realidade antiga da qual “originou-se pelos flancos”. Uma das representações deste fenômeno, no contexto da reestruturação estudantil brasileira é a postura de setores que, apesar de carregar consigo uma leitura crítica acerca do papel da União Nacional dos Estudantes, não conseguem dar consequências a ela, mantendo-se dentro da entidade sob as mais diversas justificativas. Esta realidade é, até certo ponto, bastante previsível frente à perplexidade geral em que se encontram os movimentos sociais em seu todo, graças ao momento histórico de refluxo que se vive. Contudo, é preciso ter clareza suficiente para discutir os passos que se podem dar e os que não se podem dar neste contexto.

É necessário desmistificar o debate acerca da unidade do Movimento Estudantil. Para nós, este caminho se dá, unicamente pela discussão de qual unidade queremos e para quê ela deve servir. Assim, é importante que seja responsavelmente equacionado o debate sobre o que significa o divisionismo, hoje, no seio do ME e da reorganização do mesmo.

É certo e consenso geral de que os movimentos sociais existem para fazer a luta e organizar a resistência popular na defesa de seus direitos e na busca de maiores conquistas. Desta forma, o sentido próprio da organização política, seja em que nível ela se der, refere-se à necessidade de um posicionamento claro, dentro da luta política que se desenvolve em uma sociedade de classes. No caso de um ME que se pretende classista e combativo, este posicionamento encontra-se, obviamente, na trincheira da transformação desta sociedade. Assim sendo, fará sentido lutar a partir do momento que se luta por um objetivo claro: a superação do atual estágio de coisas. Por certo, as implicações concretas desta postura irão dar lugar aos mais diversos debates, sobre quais são os passos reais desta tal superação. No entanto, se há algo que deve ficar extremamente claro, é o nexo entre o discurso e a prática no âmbito de sua realização.

Assim, a unidade que se busca só se torna eficaz a partir do momento que está apta a oferecer um suporte concreto para as tarefas postas no caminho deste objetivo geral. A atual postura da UNE, de verdadeiro cão de guarda da política do capital para a educação, não permite nenhuma unidade possível com esta entidade. Em verdade, quando passa atuar do outro lado das trincheiras de luta é a União Nacional dos Estudantes, e não o movimento de reorganização, que inicia o processo de divisão do movimento. A unidade que se quer reconstruir, portanto, só pode se dar a partir de um programa que rompe, fundamentalmente, com aquele defendido pela antiga entidade dos estudantes. E, em consequência, através de uma ruptura com os métodos, concepções e fóruns que dão suporte a este programa: a partir da ruptura com a UNE no exato sentido que indicamos acima.

O processo de lutas de 2007 vem a tornar esta realidade ainda mais evidente do quê em 2003. Hoje, dificilmente os setores que rompem com a UNE são ainda acusados de divisionismo, a não ser pelas correntes mais fetichistas do Movimento. Esta postura deixou de ser vista como esquizofrênica e isolacionista por boa parte do ME para, em lugar disto, tornar-se tolerável e até discutível. Por sua vez, isto não significou o imediato convencimento destes mesmos setores de sua validade política.

Assim, é possível ver um debate de profunda crítica à estrutura atual da UNE ser construído sem ser seguido pelo rompimento com a mesma. A coisa toda vai tentar ser equacionada pelos mais diversos caminhos, dos quais o principal é o da disputa de concepções sem a disputa do aparelho no interior da entidade. Justificado por discursos que identificam “lutadores dentro e fora da UNE”, ou “estudantes com sincero ímpeto de luta que ainda se agregam em redor da UNE”, este debate vai procurando se manter aproveitando a confusão geral do Movimento.

Para tanto, claro, é preciso negar a visão global do contexto atual. Levantam-se frente a isto diversas questões. Afinal, qual o espaço privilegiado de disputa de concepções do Movimento Estudantil? Os espaços que se entendem burocratizados e fetichizados da União Nacional dos Estudantes, ou os fóruns criados no próprio processo de lutas, como ocupações de universidades, congressos e assembléias de entidades de base etc.? A importância desta disputa deve levar em conta se a energia gasta com a participação dos fóruns engessados da UNE vale a pena, na medida em que, apesar de contarem com a presença de milhares de estudantes que ouvirão sempre o discurso governista, eles não têm se revertido em força material no Movimento. Quer dizer, a UNE em geral, não tem conseguido mobilizar o corpo estudantil nem mesmo para a defesa de suas pautas, a não ser em casos excepcionais como em atos em seus próprios congressos e bienais, que contam com a reunião de pessoas de todo o país em um só local, trios-elétricos, muita animação e pouca pauta política. Ao invés disto, as salas de aula, os corredores e os pátios das universidades continuam tediosos e afligidos por um silêncio político mortal quase que perene.

No fim, nega-se a União Nacional dos Estudantes, mas não se dialoga esta negação com o único sujeito capaz de torná-la consequente e material: os estudantes. Se é preciso estar em todos os espaços, não é preciso (ou oportuno) romper com a UNE. E se não é oportuno romper com a UNE, qual o estágio da reorganização que se vê? O estágio anterior à própria negação do velho. Viver-se-ia então, um momento em que é necessário organizar a unidade do Movimento Estudantil, superar seus antigos obstáculos, resgatar suas verdadeiras bandeiras, negar a UNE, mas não o momento de oferecer alternativas para esta negação, que não necessariamente se sintetizam em uma agenda positiva para o ME. Ou seja, não necessariamente se resumem a fundação de novas entidades. Mas se realizam no processo de superação e abandono das atuais formas de movimento.

No fim, nega-se o debate de ruptura com a base do movimento, vendo-a como necessária, como vindoura, mas não a construindo no dia-a-dia estudantil. Ou seja, impossibilitando a tomada consciente, por parte dos estudantes, da negação do velho, e do despertar para a construção do novo. Agarrando-se a uma concepção vacilante do processo atual e, em últimas consequências, ignorando o peso político para a reorganização e para a própria UNE do que significaria a ruptura de mais estes setores com a entidade.

Por outro lado, e felizmente, não é a estes setores que se deve esperar. É à base estudantil que se devem explicações e respostas. E a necessidade de atendê-las exige um debate cada vez mais coerente e alinhado ao processo real. Construir a reorganização significa sim, portanto, construir a unidade do ME, mas apenas a partir de um programa que avance a consciência estudantil e impulsione sua luta. A UNE não pode acompanhar esta realidade e, por isto, deve, invariavelmente, ser deixada de lado. Discutir estas posturas, no entanto, como dissemos, é fundamental para discutir seu papel no CNE e na reorganização.

Do Congresso Nacional de Estudantes. Sua construção, suas cores políticas e seu decorrer.

Desde que se concretizou a ruptura com a UNE surge o debate de necessidade de construção de um novo instrumento de lutas, qualitativamente superior a ela, de uma nova entidade. Este debate, no entanto, é posto de maneira muito mais concreta a partir de 2007, como reflexo do processo de lutas que se dá naquele ano. A partir daí surge a necessidade de um fórum mais amplo do quê os que haviam sido construídos até o momento.

O CNE seria, desta forma, o primeiro espaço real de acúmulo construído no contexto da reorganização. Os Encontros Nacionais de Estudantes (ENE's) que aconteceram, apesar de terem servido como espaços de instrumentalização do movimento, não puderam, por seu próprio formato e duração, cumprir este papel. As tarefas postas para o Congresso envolviam, pois, o debate acerca de uma gama de temas que, muito além da necessidade de uma Nova Entidade, envolviam os princípios que norteavam a reorganização, seus métodos, bandeiras políticas, concepções de mundo, de educação e mesmo de ME. Avaliar este espaço, portanto, é julgar o atingimento destes objetivos.

Desde as premissas de sua construção, o Congresso Nacional de Estudantes buscou sempre demonstrar-se qualitativamente distinto do Congresso da UNE (CONUNE). Foi organizado a partir da convocação de plenárias abertas, nas quais qualquer estudante teria direito a voz e voto, podendo encaminhar proposta, fazer-se presente nas reuniões (ao menos em tese), e discutir os rumos estruturais e políticos que garantiriam o decorrer do Congresso. Em certa medida, inclusive, a CO do CNE serviu como esboço de aglutinação política, tomando posicionamentos, lançando documentos como moções de repúdio, boletins etc., e mesmo participando de atos e manifestações na tentativa de demonstrar uma alternativa de luta para o conjunto do ME.

Contudo, mesmo o caráter acessível da construção do CNE não o blindaria de equívocos. Evidente, também, que, apesar de sua postura aberta ou exatamente por isto, a CO não pode ser entendida como um espaço em que a construção conjunta tinha um papel maior do que a disputa de concepções que nela concorreram. Queremos dizer que, mesmo com seu caráter democrático, os equívocos que podem ser creditados às atitudes da CO não podem recair igualmente sob os ombros de todos os que tomaram parte em seus debates. Deve-se relacionar, fundamentalmente, a conformação política que a constituiu. Significa dizer, os erros cometidos nos fóruns da própria CO não deixam de ser erros de seus reais autores e passam à ser da Comissão de Organização do CNE, muito pelo contrário. Desta forma, há um aspecto que achamos de grande relevância. É necessário que se discuta em que termos se dá a clara hegemonia política do PSTU tanto nos espaços do CNE, quanto da própria Comissão que o organizou.

Como não pode ser negado, entre os setores que rompem com a UNE em 2003, o PSTU é aquele que, sem dúvidas possui o maior peso político deste processo. Não apenas por seu tamanho, e por ser talvez a única força, naquele momento, com proporções nacionais a fazer o debate da ruptura, mas também pela importância que teve como pólo de impulsionamento desta ruptura. É evidente que sem a participação de uma força política de tal porte o processo de reorganização encontrar-se-ia, ainda, em estado muito mais atrasado que o atual.

A hegemonia do PSTU foi, portanto, a representação de um aspecto natural da dinâmica que teve o processo de reorganização. Não há dúvidas, que o peso que esta força adquiriu neste contexto é qualitativamente diferente daquele mantido pelas forças políticas que se encastelam na direção da UNE, que, nem de longe, possuem uma sustentação real frente à base do Movimento. Ser maioria, contudo, não é apenas um êxito. Representa também uma responsabilidade redobrada com o processo que se desdobra sob sua formulação principalmente. E é neste sentido que afirmamos que os erros levados à frente pela CO do CNE têm um autor: sua majoritária, o PSTU.

Durante o decorrer do Congresso Nacional de Estudantes estes equívocos se demonstraram, como se pôde ver, reais e em sua face mais concreta. As reviravoltas na programação encerram o melhor exemplo do fato. Ainda nas reuniões de organização do CNE, a proposta apresentada pela majoritária foi criticada em seu conjunto, sendo pontuadas (inclusive por nós do Além do Mito...) a grande quantidade de mesas e painéis com que contava, restando pouco tempo para espaços de síntese real que eram os Grupos de Trabalho (GT's), ou mesmo de apresentação geral das teses que estariam inscritas para o Congresso. A única mudança essencial aceita pelo PSTU em sua proposta original foi a da retirada de um ato público que, em princípio, deveria acontecer na cidade do Rio de Janeiro durante duas horas, após a qual todos os ativistas nele presentes deveriam voltar imediatamente ao campus do Fundão e fazer parte de um GT de mais ou menos duas horas. O que simplesmente não aconteceria. Como era maioria nos espaços da CO, o PSTU consegue ter sua proposta aprovada.

Como não podia deixar de ser, o CNE ficou vulnerável a todos os remendos de programação possíveis, e o atraso inicial dá margem a vários acontecimentos difíceis de explicar. O primeiro deles é a inclusão de uma mesa de debates específica sobre a conjuntura atual da USP, que se aprovou, em plenária inicial (hegemonizada da mesma forma), de acontecer logo em seguida à mesa de conjuntura geral. É preciso refletir que uma mudança de programação que sirva para incluir um processo de lutas que eclode muito próximo ao Congresso não é um erro, mas algo que serve para deixá-lo em dia com a dinâmica real do Movimento. Porém, o que aconteceu é que se aumentou o tempo de mesas e impossibilitou-se a intervenção do plenário nestes debates. A surpresa foi ainda maior ao se descobrir, neste mesmo dia, que não havia qualquer atividade no turno da noite.

Ou seja, passou-se por um debate durante a plenária inicial em que as alternativas de inclusão do debate sobre a USP se colocaram todas para o mesmo turno da manhã. Depois, pelo que ficou caracterizado como uma “diferença de interpretações” das resoluções da plenária inicial, conclui-se que não haveriam GT's durante a noite deste mesmo dia. Ora, então por que a mesa da USP não foi simplesmente para o turno da noite? Ou melhor, porque a relutância tão grande em incluir este tema na mesa de conjuntura geral, restando tempo livre para as intervenções da plenária e para a realização de mais um GT durante a noite? No fim, a discussão de conjuntura não foi plena, assim como não o foi a discussão sobre a USP. Ao mesmo tempo os GT's se apertaram de uma maneira injustificada, mesclando-se a discussão sobre conjuntura e educação em um mesmo horário da programação, quando poderiam ter acontecidos duas reuniões do grupo: uma à tarde e outra à noite.

Deixamos claro que não fazemos esta discussão por um mero preciosismo de formas. Antes disto, esta discussão deve ser feita pelo fato de que, em questões de democracia, é comum que os meios representem um peso maior do que os resultados. Assim, é preciso ter claro a importância de cada espaço que deve estar presente em um encontro como o CNE. Os momentos de discussão privilegiados são, sem dúvidas, os GT's, que com seu formato permitem uma maior participação do conjunto de estudantes presentes no Congresso. Para além deles, os espaços de apresentação geral das teses que são inscritas para o Congresso (e que representam a construção política do mesmo) demonstram-se de grande importância para os debates. Sem espaços como estes, teses que contem com poucos participantes jamais conseguirão alcançar o conjunto de participantes do encontro. É evidente que uma tese que tenha dez delegados vai estar em muito menos GT's que uma tese que possua cem delegados. E isto é uma discrepância que merece ser atenuada em nome de um debate qualitativamente superior nos fóruns de organização do ME, onde a quantidade não deve ser imediato sinônimo de acerto de leitura conjuntural e coerência de concepções.

Levando isto em consideração, o decorrer do CNE se afigurou ainda mais equivocado no que se refere à programação. Na manhã do terceiro dia estava programada uma segunda atividade de apresentação das teses inscritas no CNE. Desta vez, diferente do primeiro momento que tomou parte na plenária inicial, seria o momento de uma discussão específica sobre o que cada uma apresentava em relação ao ME. Esta divisão de dois momentos distintos de apresentação das teses é, por si só, complicada. Seria muito mais bem aproveitado a soma dos tempos de ambas atividades em uma única, onde as teses pudessem ficar a vontade para tocarem sua apresentação destacando os aspectos que elas próprias julgassem mais importantes. Outro benefício seria o aproveitamento de mais este espaço (a manhã de um outro dia) para a organização de outras atividades. Esta proposta se demonstraria ainda mais viável se a programação do CNE não fosse tão carregada por mesas de debates.

A despeito de tudo isto, aproveitar o segundo debate de teses era fundamental para esclarecer o plenário sobre as posições que construíam o Congresso naquele momento. Contudo, mais este espaço foi suprimido. Mesmo tendo sido aprovado na plenária inicial do CNE, o debate de teses sobre o ME acabou, na prática, sendo substituído por um painel de histórico do Movimento Estudantil, que havia sido retirado da programação na mesma plenária. Então, o debate geral sobre ME foi substituído por uma apresentação (com fotos!) da história do famoso CONUNE de Ibiúna, uma discussão fundamental para o Movimento sem dúvidas, mas muito distante de ser prioritária em um Congresso que conviveu com atrasos em uma programação que já era pesada.

Ao término da apresentação, que durou quase duas horas, já ao meio-dia, a majoritária do CNE, em uma questão de ordem, propõe a supressão do debate de teses que estava originalmente previsto. Uma medida que serviu unicamente para dar ares de aceitação ao que já tinha acontecido. Afinal, ninguém na plenária poderia realmente tomar a escolha de manter o debate, o que prejudicaria o espaço prioritário dos Grupos de Trabalho que o seguiriam. A majoritária tem sua proposta aprovada pelo plenário em uma votação da qual nos abstivemos por ela não ter absolutamente nenhuma legitimidade. De quebra, na tentativa de conferir consequência à proposta, tentou-se encaminhar os GT's imediatamente após à votação, quando era mais que evidente que aquilo seria impossível em pleno horário de almoço.

Por fim, a programação do CNE contou com: uma mesa de abertura, uma mesa de conjuntura, três painéis simultâneos de educação, uma mesa de histórico do ME, uma mesa sobre a luta na USP, um espaço de saudações internacionais à plenária, um espaço de saudação do mov. Vamos à Luta (que continua construindo a UNE); uma plenária inicial com determinado tempo para apresentação de teses; dois GT's; e a plenária final. Com o detalhe de que todas as mesas acabaram sendo executadas sem tempo para a intervenção do plenário.

Como, em uma estrutura política como esta, poderiam ser sintetizados os acúmulos que o ME adquiriu durante o rico processo de reorganização pelo qual vinha passando? Mais do que isso, como os estudantes poderiam dar conta das tarefas práticas, mas também profundamente teóricas, de consolidar concepções de mundo, conjuntura, educação, movimento, métodos, princípios, pautas, bandeiras etc., em tal espaço? O Congresso Nacional de Estudantes não cumpriu nem uma ínfima parte das tarefas que estavam colocadas para o mesmo. E isto decorre do fato de que sua democracia interna encontrou-se profundamente prejudicada, especialmente no que diz respeito ao debate realizado durante o encontro, por equívocos que simplesmente não se justificam e que, em seu todo, representaram um completo desafino com o próprio acúmulo da parcela do Movimento Estudantil que construiu aquele fórum.

Da plenária final e da Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre (ANEL).

Todo o processo narrado veio a desembocar em uma plenária final que, contando com os atrasos, com a dispersão geral dos presentes, com o debate prejudicado durante todo o encontro, e mesmo com as polêmicas que deveria superar, terminou por tornar-se conturbada e bastante diferente do que se poderia esperar. Sua deliberação mais polêmica e que, não apenas por isto, mas pela própria forma como se deu, merece um profundo balanço por parte do ME, foi aprovação da Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre.

A ANEL, proposta do PSTU, através da tese Outros Maios Virão, pretende-se uma nova entidade estudantil. Suas tarefas, evidentemente, seriam as de organizar a luta dos estudantes, armá-los teórico-ideologicamente para as mesmas, combater alienação presente nos meios discentes, representá-los e unificá-los em torno de um programa que baliza-se pela aliança operário-estudantil e pela autonomia de seus fóruns (não apenas a governos, mas a organizações políticas em geral), como passos à construção de uma outra sociedade. Isto, claro, se ela se pretende uma alternativa real às antigas formas de movimento com as quais rompe. Ser a antítese do velho, por sinal, seria mais que um objetivo, seria quase sua própria essência. Como se deu sua construção?

A plenária final do CNE iniciou-se com a votação dos pontos consensuais em relação às pautas que tinham sido discutidas durante os GT's e nas próprias teses inscritas ao Congresso. Importante destacar, que estas propostas foram encaminhadas para o conjunto de estudantes que se fazia presente ali, como um programa para a reorganização do ME como um todo, e não de uma entidade ou instrumento qualquer. Estas deliberações, sem dúvidas, guardaram profunda importância, mas por sua própria natureza consensual, não poderiam ser tidas como decisivas para o desfecho da plenária.

Após estas deliberações foi apresentada, pelo PSTU, uma questão de ordem que, pelo adiantar da hora da plenária, e o receio de que esta fosse gradualmente esvaziando-se por acontecer no último dia de encontro, propunha o adiantamento da votação acerca da fundação ou não de uma nova entidade, antecipando-se às pautas não consensuais sobre conjuntura, educação, gênero e cultura. Em uma deliberação conturbada, esta proposta é aceita pela plenária. Ela, no entanto, merece, ao menos, duas reflexões.

A primeira, o que faz da deliberação acerca de uma nova entidade mais importante do que a de todos os outros temas do Congresso, que, inclusive, dariam forma ao próprio programa de uma possível entidade aprovada, ao ponto de que ela não poderia, de forma alguma, ser tomada em um plenário esvaziado, enquanto todas as outras poderiam?

É evidente, que a própria colocação de tal proposta demonstra quais as prioridades de quem a formula. A questão de ordem, apesar de aceita pelos presentes (sendo proposta da majoritária), foi simbólica no seguinte sentido: ao PSTU, mais do que qualquer outra coisa, importava o debate da fundação da ANEL. Importava tanto ao ponto deste preceder os debates centrais acerca do programa e das concepções que norteariam a reorganização do ME. A relação entre forma e conteúdo foi, portanto, completamente invertida e tudo isto devido a uma desesperada tentativa de conferir legitimidade (talvez com fotos de vários crachás levantados) a algo que, por certo seria aprovado no CNE, mas não necessariamente será aceito pela base. O instrumento, a entidade, se demonstrou mais importante do que o seu papel, as suas tarefas e o seu significado para o conjunto do Movimento e para o processo de reorganização.

A segunda questão é: a partir do momento em que é aprovada a ANEL, em que congresso estamos, no Nacional de Estudantes, ou no da nova entidade? Do nada, todas as propostas formuladas durante meses de debates entre os militantes de base do ME, dirigidas ao processo de reorganização passaram automaticamente a serem dirigidas para o programa de uma entidade legitimada, naquele momento, por apenas uma das dezesseis teses inscritas no Congresso. Saímos, quase que misteriosamente, de um congresso da reorganização, para uma discussão sobre quais seriam os próximos passos da ANEL. É certo que esta polêmica seria apreciada e haveria uma deliberação acerca dela, mas o instrumento adequado à execução de determinado programa só pode ser pensado a partir do momento em que o programa está claro para seus sujeitos. Na prática o CNE tinha metade de um programa para uma entidade inteira.

Não foi surpresa o resultado que se deu na plenária. Grande parte das teses que haviam sido inscritas ao Congresso declararam seu rompimento imediato com aquele espaço. Dentre elas, havia tanto posições que se alinham claramente à construção do processo de reorganização, negando completamente a UNE, quanto aquelas que ainda constroem esta entidade. A fundação da ANEL, pela forma que se deu, serviu para impulsionar o processo de fragmentação do movimento de reorganização ao invés de impedi-lo. A forma de todo equivocada como se deliberou acerca do tema abriu margem para as mais diversas avaliações oportunistas que se farão acerca do processo de reestruturação do ME, tentando igualá-lo, do seu início ao fim, à falida União Nacional dos Estudantes.

Serão, justamente, as perspectivas que não confirmam o rompimento com a UNE que ganharão mais espaço neste contexto. Enquanto a antiga entidade visivelmente não representa os estudantes e não pode acompanhar de maneira alguma os processos de luta que se darão, a nova, tampouco, surge como uma alternativa clara de superação das velhas formas e métodos de movimento. O que a ANEL não pode suprir, ainda mais com a marca de nascença que carregará indubitavelmente, é uma resposta para a crise de perspectiva geral pela qual passa o ME. A forma como foi construída (antes as formas, depois o conteúdo) acaba demonstrando que sua única pretensão é a de ser um novo instrumento para o velho movimento. Na verdade, precisamos de um movimento renovado, e não apenas de uma nova direção.

O que esperar, afinal?

Em diversos documentos do Grupo Além do Mito... e mesmo na tese e na pré-tese que construímos e assinamos para o CNE fizemos a discussão acerca do significado de uma nova entidade para o Movimento Estudantil neste momento específico. Para discutir os rumos do ME, no entanto, isto precisa ser retomado, ainda que de forma sintética.

Frente ao momento de refluxo geral em que vivem os movimentos sociais, testemunhamos uma profunda crise de consciência da classe trabalhadora. Ela não consegue dar uma resposta, enquanto classe, para os problemas que enfrenta. Não consegue, portanto, construir um projeto de sociedade alternativa à que está posta atualmente. Esta crise terá seus reflexos em todas as categorias sociais que poderiam lhe dar apoio em um possível movimento de ascenso. Dentre elas, os estudantes. Alinhado a isto, temos a traição das antigas referências das lutas populares, que se transformam em novas personificações do capital. Este processo se deu com a própria União Nacional dos Estudantes no caso brasileiro. Há, então, uma caducidade geral das velhas formas de se construir o movimento e o diálogo com as massas. Estas se encontram imersas em uma intensa alienação provocada pela atual forma de hegemonia do capital. Este contexto geral dificulta uma atuação frutífera junto a elas por parte dos setores sociais que estão à frente das lutas que contestam a lógica da ordem vigente. Dificulta, mas não torna absolutamente impossível.

Frente a esta realidade, os movimentos sociais buscam uma reorganização geral, que em períodos recentes se tornou a tônica no contexto brasileiro, mas acontece em todo o mundo. São novos partidos, centrais sindicais, estudantis, movimentos populares, que buscam atuar em um contexto de grande perplexidade da esquerda. O processo de reorganização existe objetivamente, e assim sendo, é necessário discutir quais são suas tarefas. É preciso ter clareza das tarefas da reorganização em um momento de refluxo.

No que diz respeito ao caso específico do ME brasileiro, uma nova entidade se torna necessária desde o momento em que a UNE se demonstra incapaz de tocar as lutas. Mas, como dissemos anteriormente, ela se torna imprescindível apenas na medida em que representa não apenas uma troca entre aparelhos, mas uma renovação profunda do próprio movimento que organiza. Isto só pode ser provido de uma única maneira: com um processo de reorganização profundamente enraizado nas bases.

É necessário que se precise o próprio significado disto, frente ao momento de refluxo pelo qual se passa. Ter um processo reconhecido na base estudantil não significará nunca que todos os estudantes do Brasil estarão, algum dia, sob a mesma bandeira. Isto jamais foi uma realidade, e pela própria natureza multifacetada da categoria estudantil, jamais será. No entanto, há a possibilidade real de que o processo de reorganização do ME se abra enquanto uma perspectiva a ser aceita ou recusada pelos estudantes. Isto é o que dá chão à discussão real com a base do movimento e à possibilidade de que esta venha constituir-se enquanto sujeito do processo, ou pelo menos seus setores mais avançados.

Esta não é a realidade atual do ME nacional. É evidente, que a UNE não se demonstra enquanto perspectiva para grande parte dos estudantes brasileiros. O setor do movimento que se aglutina em torno do processo de reorganização tampouco chega a representar isto. Antes, há uma apatia geral por parte do corpo estudantil, fruto da conjuntura geral de crise de alternativas pela qual se passa. A maioria não reconhece a UNE, mas, em verdade, sua grande parte não reconhece mesmo o Movimento Estudantil como um todo, sendo engolida pela reprodução cotidiana da forma de sociedade destrutiva em que vive.

Qualquer ato de construção do novo precisa, invariavelmente, passar pela consciência do sujeito desta construção. São os estudantes em sua atuação cotidiana, que podem pôr em movimento um processo de reorganização capaz de atingir seus objetivos essenciais e não a vanguarda do ME. Esta, contudo, terá a função imprescindível de tornar consciente cada passo dado pela sua base. E hoje, é importantíssimo tornar os estudantes conscientes do que significa, de todo, o não reconhecimento da União Nacional dos Estudantes que eles cultivam de forma quase que intuitiva.

Por isto, é precipitada a fundação de uma nova entidade enquanto tal. Pois a ausência da participação real e efetiva da base em seus direcionamentos, em um diálogo recíproco tanto com a vanguarda, quanto com a dinâmica dos processos de luta objetivos, joga um peso determinante no resultado final desta fundação. O momento em que se vive é, antes, o de cumprimento de tarefas negativas da reorganização. É necessário negar a União Nacional de Estudantes em seu conjunto completo e não apenas em seu aparato. Somente a partir daí é possível dar bases a uma discussão do que, realmente, representa o novo. Discussão esta que, exatamente por esta incapacidade de diálogo com as bases do Movimento se demonstra longe de ser vencida pela sua vanguarda.

Desta forma, a ANEL parece representar, e seria precipitado afirmar isto de forma conclusiva, um beco sem saída para a reorganização. Ela se demonstra superior à UNE apenas em seu programa geral. Em absolutamente nenhum outro aspecto, mesmo com toda a experimentação de métodos de organização que pretende levar a frente, ela se diferencia da velha entidade. A ausência da base real do movimento como uma sustentação indispensável para sua formação é que a joga neste isolamento histórico. É evidente que não se pode falar de impossibilidade absoluta de que esta entidade consiga superar este estado. Mas a que se reconhecer que as chances históricas disto acontecer não jogam a favor dela por tudo o que foi dito.

Isto se aprofunda com a análise dos marcos em que é fundada a ANEL. Na tentativa de aproximar os setores do PSOL que dialogam com a ruptura, e que já foram discutidos acima, o PSTU veio, ao longo do maturar de sua proposta, tornando cada vez mais tênue a diferença entre aqueles que rompem com a UNE e aqueles que não rompem. Mais uma vez, a discussão central volta a girar em torno, meramente, do programa do novo instrumento, e não de suas concepções fundamentais, a exemplo do que se passou com a Frente de Luta Contra a Reforma Universitária (ainda que de um patamar organizativo qualitativamente superior). Assim, é possível construir uma nova entidade alternativa à UNE, mas não profundamente antagônica a ela. Uma entidade de oposição de esquerda ao Governo Lula e à Reforma Universitária, mas que não rompe definitivamente com a perspectiva de movimento afirmada pelo velho e que, por isto mesmo, demonstra-se incapaz de dialogar este rompimento com os estudantes, torná-lo concreto e avançar a reorganização. E este é um limite fundamental para a ANEL.

Como dissemos no início, é evidente que qualquer conclusão, hoje, está ameaçada de mudanças por ser apenas preliminar e estar sendo construída no próprio calor da militância cotidiana. No entanto, frente às perspectivas apontadas, não se demonstra frutífero ao ME depositar suas esperanças na Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre. Ela não demonstra ter condições objetivas de cumprir as reais tarefas postas para o processo de reorganização. Por esta razão, nós do Grupo Além do Mito... não construiremos a ANEL. Nem mesmo enquanto oposição interna, posto que a própria disputa do instrumento, quando feita da forma consequente, responsável e coerente que prezamos, é uma maneira de construção e maturação do próprio. Para nós, uma entidade tão afastada da base quanto é a ANEL não abre possibilidades para tal, ainda que as razões sejam qualitativamente distintas daquelas que imperam no interior da UNE. Continuamos fazendo a avaliação, que inclusive defendemos durante o CNE, de que atualmente é necessário para o ME um instrumento capaz de sintetizar os esforços da vanguarda estudantil em direção ao aprofundamento do processo de reorganização. Um instrumento que, não sendo uma entidade e arcando com os limites que isto traz, seja capaz de afirmar e dialogar com a base estudantil o cumprimento das tarefas negativas da reorganização. Ou seja, de aprofundar o rompimento com a UNE e tudo aquilo que ela representa para o ME, além de tocar as lutas estudantis do próximo período.

A resolução prática da tarefa de construção deste pólo de organização é algo que ainda precisará ser formulado frente ao contexto de fragmentação do qual se saiu do CNE com os rumos que tomou a plenária final do mesmo. Ao mesmo tempo, é necessário haver clareza no fato certo, e positivo, de que a ANEL irá organizar lutas importantes no momento em que se abre em nossa frente. Dialogar com esta realidade exigirá maturidade dos setores combativos que não a constroem. Será necessário reconhecê-la como uma possível aliança tática para os embates que virão. Isto não legitima seus fóruns, nem seus métodos, apenas reconhece o peso objetivo, no ME, dos setores que a compõem. Já construímos diversas lutas ao lado de setores que continuam reconhecendo a UNE, mesmo aqueles que sequer a criticam enquanto instrumento e perspectiva de Movimento. O mesmo acontecerá em relação à ANEL.

Estaremos dispostos a construir a luta com quem quer que seja a partir de uma unidade tática que tenha como suporte um programa que avance a resistência e a consciência estudantil. Estaremos ainda mais dispostos a nos incluirmos, dentro do alcance objetivo de nossas forças, na realização da hercúlea tarefa de reorganização do Movimento Estudantil. Mas isto se dará junto a uma intransigente convicção de que isto se faz pela base, nas lutas. E com a perspectiva de fundo de que reorganizar o Movimento Estudantil é, na verdade, organizar o desorganizado, não apenas oferecer algo pronto para quem não se encontra preparado para construí-lo. É dar corpo à afirmação do realmente novo e negar o velho, suas faces declaradas e todos os seus disfarces.

GRUPO ALÉM DO MITO...

Maceió, Julho de 2009.

sábado, 30 de maio de 2009

Tese assinada pelo Além do Mito para o CNE

Tese: Amar e Mudar as Coisas!

Lutar para estudar, estudar para lutar!”


Este documento é uma contribuição do grupo “Além do Mito...” e outros estudantes da UFAL ao Congresso Nacional dos Estudantes. Trata-se de parte de nossas discussões sobre os três principais eixos do congresso: conjuntura, educação e Movimento Estudantil. O debate mais aprofundado pode ser encontrado em nossa pré-tese, disponível no site do congresso e no blog grupoalemdomito.blogspot.com.


A Crise do Capital

Mais do que nunca, os tempos atuais testemunham as dificuldades às quais está submetida a humanidade. O caos da violência urbana, a degradação ambiental, o crescimento das desigualdades sociais, a política de guerra das grandes potências econômicas, são apenas mostras dos problemas que acontecem cotidianamente e afetam a todos. Para enfrentar os desafios históricos que estão postos hoje, é necessário discutir suas raízes profundas.

O capitalismo, atual modo de produção, é, em última instância, fundado na desigualdade. Está originado na diferença entre aqueles que possuem os meios de produção e aqueles que não possuem nada além de sua força de trabalho para garantir sua subsistência. Seu objetivo final é a sua própria valorização. Mais importam os lucros do que os homens.

Vivemos uma Crise Estrutural do Capital. Isto significa que ele não consegue mais driblar seus limites. O Capital, nos dias atuais, não possui mais a margem de manobra que, um dia, permitiu-lhe garantir direitos para a classe trabalhadora, como foi o caso do Estado de Bem-Estar Social. Por isto, é possível perceber cada vez mais os ataques a estes direitos e seu conseqüente recuo.

A Crise Estrutural, que se inicia na década de 1970, ocasionou uma significativa queda na taxa de lucros da classe dominante. A resposta para isto foi a política neoliberal que vem sendo implementada desde então. Desta forma, privatizações, sucateamento de serviços públicos e diversas outras formas de atuação fazem com que o Estado recue em diversos ramos econômicos em favor da iniciativa privada, que busca lucros onde, antes, encontravam-se direitos.

Os limites do Capital nos demonstram sua incontrolabilidade. Isto significa, que estão condenadas todas as tentativas de solucionar seus problemas que se dêem por dentro de sua própria lógica. Malfadadas serão, portanto, todas as tentativas de reforma deste sistema. A saída é uma ruptura radical com sua lógica e a fundação de uma nova sociedade. Nenhuma fé deve, então, ser depositada no processo eleitoral, que apenas muda os rostos do poder.

Não bastasse, o capitalismo vale-se dos preconceitos e opressões criados historicamente para justificar sua hiper-exploração a alguns setores. Por isto mais do que quaisquer outros sofrem as mulheres, os negros e os homossexuais, unicamente para que os lucros sejam melhor garantidos. Aos que sofrem as mazelas do Capital só uma solução é viável: o Socialismo.


A Crise de Alternativas e o Governo Lula

As constantes derrotas impostas pelo Capital aos trabalhadores e a traição das tradicionais organizações da esquerda mundial, que mais privilegiaram as disputas parlamentares do que a luta direta dos explorados, fez com que o “canto da sereia” capitalista fosse ouvido e convencesse a bilhões. Para tratar dos que não o engoliram foi intensificada a política de repressão e criminalização dos movimentos populares.

Vivemos a mais longa época de refluxo dos movimentos populares da história. Desde as mobilizações de 1968 e as rebeliões latino-americanas, como o movimento dos sandinistas, não testemunhamos contestações radicais à sociedade do Capital. Isto demonstra que os trabalhadores vivem uma verdadeira crise de alternativas, não tendo o Socialismo como seu norte, apesar de qualquer vitória desta classe ser impossível sem ele. O resgate da bandeira revolucionária se torna, então, indispensável.

Esta realidade, somada ao desgaste da direita tradicional, permitiu que o Capital escolhesse as suas novas personificações, que são representadas por antigos líderes da esquerda, eleitos pelas massas. Entre eles: Lula. Sua função primordial não é outra senão tornar dócil a reação das classes exploradas perante aos ataques cada vez mais frontais aos seus direitos e à sua dignidade levados à frente pelo capitalismo.

No Brasil, este ciclo se conclui em 2003, com a chegada do Partido dos Trabalhadores à presidência. Sua forte presença histórica nas organizações de luta do país, como a UNE e a CUT, fazem com que estas passem de “mala e cuia” para o lado do governo, sendo consumidas, burocraticamente, pelo processo de subordinação do braço social do movimento (sindicatos, entidades estudantis, mov. populares) a seu braço político (o partido). Tudo isto acarretou em grande perplexidade no seio dos movimentos sociais brasileiros, que se encontram divididos e desnorteados.

Lula, no entanto, nada mais faz do que aplicar, com uma ortodoxia maior que seus antecessores, os cânones do neoliberalismo. Sua política em nada se diferencia, na verdade até aprofunda a de FHC e Collor. Isto se estende das Reformas por ele aplicadas (previdenciária, universitária etc.) à corrupção de seu governo.

A saída para os trabalhadores, por tanto, é a re-organização de suas forças. Hoje, a conjuntura aponta para uma unificação dos pólos de luta que têm despontado no país. A mais importante movimentação que tem estado em curso é a unificação da Conlutas e da Intersindical em uma só Central Sindical. Este processo, no entanto, tem sido, ainda, extremamente marcado pela clássica divisão entre o braço social e o braço político do movimento. No entanto, ela só poderá ser efetivamente vitoriosa se for construída pela base e nas lutas cotidianas dos trabalhadores e da juventude.

As tarefas históricas postas para a atual geração são de um porte tão grande que este se compara apenas à sua dificuldade. No entanto, a Crise do Capital é a crise de toda a sociedade atual. Ou estas tarefas são postas na ordem do dia, ou poderá não haver futuro para a humanidade. Vivemos a mais simples, porém mais complexa alternativa dos tempos: devemos escolher entre o Socialismo ou a Barbárie.


Propostas:

Não à Criminalização da Pobreza e dos Movimentos Sociais!

Oposição ao Governo Lula! Contra suas Reformas Neoliberais!

Nenhuma fé no parlamento! Pela organização direta dos trabalhadores e da juventude.

Apoio à Unificação da Conlutas e da Intersindical construída a partir de um Encontro com real participação da Base!

Não à sangria bilionária às empresas e bancos em crise.

Contra as demissões.

Contra qualquer forma de opressão.

Pelo Socialismo como estratégia dos estudantes.

Pela Aliança Operário-Estudantil!

Pela abertura das Universidades para os Trabalhadores


Por uma Educação para além do Capital


A luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade deve ser entendida pelos estudantes dentro de uma estrutura estratégica maior do que sua aparência imediata. Esta bandeira abrange, nos dias de hoje, uma dimensão muito mais profunda de contestação da forma de sociabilidade vigente graças à Crise Estrutural do Capital.

Desta forma, o “educação não é mercadoria”, repetido inúmeras vezes pelo movimento, não pode ser entendido fora de uma compreensão teórica de todo abrangente, que decifre as mais íntimas relações às quais está exposta a própria educação. Fazer isto, é tornar o movimento refém de slogans, não armando seus ativistas com uma postura ideológica capaz de compreender todas as tarefas historicamente postas para eles.

A incontrolabilidade do Capital, não permite que ele seja contido dentro das estratégias de reforma de seu sistema social, manifestando-se com uma força avassaladora. Este contexto força à elite econômica a utilizar diversas estratégias para recuperar a valorização de seu capital em crise. Para garantir suas taxas de lucro, que no passado encontravam-se em níveis de grande rentabilidade, a burguesia terá de encontrar novos nichos de valorização de seus investimentos. Estes novos ramos economicamente viáveis estarão, justamente, nas esferas anteriormente garantidas pelo Estado de Bem Estar Social, entre elas, a educação.

A política neoliberal tem no recuo do público em favor do privado a sua principal característica. O resultado disto é o constante descaso em relação aos serviços públicos, que deveriam garantir o acesso a condições mínimas de dignidade à população mais carente e à classe trabalhadora. Com isto, a iniciativa privada pode avançar, garantindo seus lucros com o fornecimento de serviços indispensáveis a todos. No Brasil, a educação é um exemplo claro disto. Desta maneira, está armado o palco para a transformação do que um dia foi entendido como um direito inalienável em mera mercadoria ao acesso unicamente daqueles que possam pagar por ela.

O rebaixamento sofrido pela esfera educacional é extremamente claro. Por um lado, o impedimento, a muitos, ao acesso a uma formação que realmente esteja submetida a critérios reais de qualidade. Por outro, a submissão completa da formação humana às necessidades do mercado passa a ser a regra. Combinada com o sempre presente discurso da limitação financeira para o ensino público faz, então, imperar o conhecido darwinismo acadêmico, onde o “publique ou pereça” vira a medida do verdadeiro compromisso com a produção de conhecimento. Produção que não atende às necessidades sociais, servindo, mais uma vez, à reprodução do Capital.

Diante disto, a bandeira do acesso irrestrito à educação apresenta-se estratégica para o Movimento dos Estudantes. O capitalismo, refém de seus limites objetivos, não pode garantir este direito a todos os seres humanos, embora seja claro que estes deveriam possuí-lo. A universalização de uma formação humana, capaz de fazer com que cada indivíduo possa apropriar-se do patrimônio cultural da humanidade, encontra aí sua força movente profunda. Capaz, então, de levar os estudantes a uma radical contestação da ordem vigente, chocando-se de maneira antagônica contra ela. Neste confronto, a juventude será obrigada a perceber o verdadeiro aliado com o qual pode contar: o proletariado. Sua bandeira pela universalização de uma formação humana de qualidade soma-se, portanto, à luta pela construção de uma nova sociedade efetivamente igualitária, livre, justa e fraterna.


Reforma Universitária e Expansão do Ensino Superior no Brasil

O neoliberalismo será a tônica da política de Estado na América Latina e, especialmente, no Brasil durante toda a década de 1990. Na educação isto não se dá de forma diversa. Os constantes cortes orçamentários em relação às Universidades Públicas, os projetos de governo lançados dia após dia com o objetivo de facilitar o crescimento da iniciativa privada no setor, são os melhores exemplos disto.

implementação da Reforma Universitária escolhida pelo Governo Federal irá dar continuidade a todas as políticas iniciadas por FHC (FIES, ENADE etc.). Estas não encontraram uma resistência fortemente organizada. O que vem a dificultar, ainda mais, as lutas. Lula passa a aprovar sua reforma por partes, desarmando o movimento e fazendo com que ele perca a necessária reflexão global das políticas que vêm sendo executadas.

O golpe mais profundo, desferido pelo neoliberalismo à Universidade Pública foi, sem dúvidas a sua política de expansão. Formada por diversas políticas, das quais o ReUni é uma das maiores expressões, a abertura de novas vagas no ensino superior do Brasil vale-se de uma redução de qualidade que equivale-se à expansão. Assim, sob a alcunha da “otimização” da estrutura das Instituições de Ensino Superior públicas, superlota-se as salas, sobrecarrega-se os professores e técnicos, e, por fim, reduz-se a qualidade da formação recebida pelos estudantes, deixando-se de lado a pesquisa e a extensão universitárias.

Por esta razão, a luta do Movimento Estudantil brasileiro, hoje, está profundamente marcada pela defesa da Universidade Pública. Para tanto, será necessária uma oposição convicta à Reforma Universitária imposta por Lula em seu conjunto.


Propostas:

Contra a Reforma Universitária do Governo Lula!

Boicote ao ENADE e ao SINAES! Por uma avaliação de verdade!

Pela revogação do ReUni!

Pela revogação do ProUni! Transferência de seus estudantes para a rede pública!

Verbas públicas para a educação pública! 10% do PIB para a educação!

Contra o Novo ENEM! Pelo fim do Vestibular!

Pela Universalização da Educação pública, gratuita, de qualidade e voltada para o atendimento das necessidades humanas.


Movimento Estudantil: possibilidades e limites



Entre as mais importantes tarefas postas, hoje, para o Congresso Nacional dos Estudantes está a discussão acerca de que concepção de Movimento Estudantil deverá ser levada à frente pelo setor que se organiza através dele. Para tanto, necessita-se de uma discussão que busque a real posição dos estudantes, enquanto categoria, na sociedade atual.

O ME encaixa-se no conceito comum de mov. social. Ou seja, reúne uma coletividade de pessoas com interesses e pautas semelhantes, na tentativa de conquistá-las através de uma movimentação política orientada para tal fim. No caso dos estudantes, no entanto, há diversas peculiaridades que devem ser levadas em conta.

A primeira, e mais importante delas, é o seu caráter pluriclassista. Formado por pessoas com as mais diversas origens sociais o ME, apesar de seu caráter de classe média preponderante, não possui uma classe social definida, diferente do movimento operário, ou camponês. Isto faz com que, diversas vezes, o ME perca-se em suas pautas políticas, não tendo um projeto de longo prazo definido.

Somado a isto, o movimento caracteriza-se por sua grande necessidade de renovação, já que o período de dedicação a ele, por parte de um estudante é, em geral, limitado. Assim, com a saída de antigos militantes e a entrada de novos, frequentemente o ME passa por períodos de confusão entre suas pautas, envolvendo-se até em problemas de memória do movimento.

O resultado destas condições é que o ME, por natureza, não é um movimento revolucionário, visto que ele encontra-se afastado da esfera economicamente produtiva da sociedade. Para ultrapassar, no entanto, suas dificuldades e conseguir suas pautas primordiais, ele terá de chocar-se contra a sociedade vigente. Assim, os estudantes devem fazer uma opção frente a sociedade que vivem: mantê-la ou transformá-la.

Daí vem o sentido da construção de um ME classista, profundamente ligado às pautas da classe trabalhadora, pois somente desta maneira ele poderá dar consequência real às suas lutas. Aliado a isto, a constante formação teórica e renovação de quadros do movimento, transforma-se em uma necessidade vital para ele. Assim, construir a luta estudantil ao lado dos trabalhadores demonstra-se como o mais eficiente caminho para a construção de um ME consequente e profundamente ligado às demandas populares.



A Reorganização do ME no Brasil



No Brasil, o ME passa por um chamado processo de reorganização. A chegada de Lula à presidência, possibilitada pelo próprio movimento do grande Capital, que vale-se de antigos líderes populares para garantir sua reprodução, faz maturar um processo que já vinha em curso há décadas. O processo da burocratização da União Nacional dos Estudantes.

A UNE, que por bastante tempo mobilizou-se em defesa dos interesses estudantis e populares, passa de “mala e cuia” para as asas do Governo, defendendo todas as suas políticas neoliberais. Somado a isto, o processo de afastamento da base pelo qual passava a entidade desde sua refundação em 1979, faz com que a democracia de seus fóruns seja destruída, impossibilitando-se a sua disputa interna e sua reconquista para as lutas.

Morta para a luta, a UNE não possui mais autonomia frente às organizações políticas que encastelaram-se em sua diretoria há quase vinte anos. Frente a isto, a partir de 2004 o ME combativo e autônomo vem construindo o debate de ruptura com a entidade, amadurecendo a discussão da construção de novos instrumentos, métodos e, principalmente, concepções para o movimento.

A primeira proposta neste sentido foi a CONLUTE. Pretendendo-se mais um espaço de articulação dos setores que rompiam com a UNE, esta coordenação cumpriu um papel importante, inciando o debate acerca da reorganização do ME. Em alguns locais, principalmente nas Universidades Públicas, chegou a conseguir bastante inserção na base do movimento.

A segunda construção da reorganização foi a Frente de Luta Contra a Reforma Universitária, que reunia setores de dentro e de fora da UNE. A frente, no entanto, demonstrou-se por demais estrutural, na prática sendo aprovada apenas as políticas consensuais entre seus setores majoritários, o PSTU e o PSOL. Como funcionava através de acordos entre os setores que a compunham, a Frente, apesar de ter impulsionado as lutas ocorridas em 2007, impediu que o debate da reorganização fosse levado até as suas últimas consequências, ficando a discussão de ruptura com a UNE deixada de lado.



Nova Entidade ou Novo Movimento?



Com o esgotamento dos instrumentos citados acima o debate de fundação de uma Nova Entidade, necessária frente à falência da UNE, ganha mais força. Para enfrentá-lo, é necessário dialogar com o momento geral de refluxo vivido pelos mov. sociais, apesar das lutas do último período. Sendo evidente que esta conjuntura pode mudar em um contexto de crise econômica mundial.

A construção de uma Nova Entidade, neste contexto, não atenderá às tarefas do ME, visto que estará afastada da compreensão da base, não sendo qualitativamente diferente do que existe hoje. No entanto, é necessário ter clareza de quais são as tarefas da reorganização em um momento de refluxo, não sendo permitido ao ME sair do CNE sem um instrumento capaz de articular minimante suas lutas e levar a cabo a construção do Novo Movimento Estudantil. O que não significa ter o apoio de todos os estudantes, mas tornar-se, de fato, uma alternativa de perspectiva para eles, o que não está posto.

Esta construção se dará nas lutas do próprio ME, em um constante debate com a base. Somente assim pode-se forma esta alternativa para os estudantes, que não representa apenas uma Nova Entidade ou direção. Representa uma outra perspectiva de movimento, que entende não valer a pena a construção de um Mov. Estudantil que não seja classista, autônomo, combativo, profundamente democrático e em radical oposição à ordem de coisas vigente.



Propostas:

Lançamento de uma carta de princípios da Reorganização do ME!

Fundação de um espaço de articulação nacional dos estudantes organizado por fora da UNE, que não se pretenda uma Nova Entidade.

Construção de Cursos de Formação Política e Estágios de Vivência com Mov. Sociais!


Assinam esta contribuição:

Dayane Diniz - Serviço Social/UFAL, CARL

Eli Magalhães – Direito/UFAL, DCE/UFAL

Guto Ferreira - Geografia/UFAL, CAGEO

Isabel Correia – Serviço Social/UFAL, CARL, DCE/UFAL

Jainara Oliveira – Ciências Sociais/UFAL, CAFF, DCE/UFAL

Jonatas Barbosa – História/UFAL, CAHIS, DCE/UFAL

Jorge Lucas – Biologia/UFAL, CABIO, DCE/UFAL

Klebson Porfírio – Filosofia/UFAL, DCE/UFAL

Marcus Vinicius – Ciências Sociais/UFAL, CAFF

Myzia Estevão – Estudante de Serviço Social, CARL

Shuellen Peixoto – Jornalismo/UFAL, DCE/UFAL

Túlio de Andrade– Direito/UFAL


GRUPO ALÉM DO MITO