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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

CARTA DO “ALÉM DO MITO...” AOS SEUS MILITANTES E AOS DEMAIS CAMARADAS

Nossa luta é pela educação

Mais humana possível:

aquela que torne crível

dentro de cada indivíduo

o poder que não existe em sua mão.

(Rafael João)


Este é um documento direcionado àqueles que fazem parte, já fizeram, pensam em fazer, ou mesmo, simpatizam com o grupo “Além do Mito...”, bem como às pessoas que atuam no movimento em um sentido que julgamos próximo ao nosso. O objetivo aqui é apenas fazer alguns apontamentos das estratégias, táticas e organização do grupo, além de desafios postos ao AdM e seus militantes. Não se trata, pois, de um texto que vise somente instigar as pessoas em sua militância no grupo, mas de traçar objetivamente um perfil que desvende algumas mediações necessárias à nossa organização e aos objetivos da luta.

Desde 2005 até hoje, o grupo estudantil “Além do Mito...” passou por várias transformações. Não só em seus quadros, fazendo constantes renovações quantitativas e qualitativas mesmo sempre tendo que lidar com a sazonalidade típica do movimento estudantil, mas mudou também em sua conotação organizativa. Tais transformações muitas vezes não vieram de nossos planos, de nossas vontades. Foram impostas pelos desafios que nos defrontamos, tendo em vista os nossos objetivos traçados. Isto quer dizer apenas que a luta cria contingenciamentos aos quais a organização e as práticas nela empregadas devem responder. Não escolhemos plenamente por qual caminho seguir, muito menos estes vão de acordo com nossas conveniências. Respondemos à luta real, e seus imperativos, com base nos princípios e táticas relativas a ela. Daí que devemos partir para pensar o que é e o que deve ser o “Além do Mito...”.

O AdM surgiu inicialmente impulsionado para se disputar a eleição do DCE, mas ao longo do processo se transubstanciou em algo mais sólido, para além de eleições de entidades ,de modo a colocar as suas pautas e concepção no cotidiano do movimento. O essencial disto é que se manteve porque vários militantes se engajaram em suprir uma necessidade do movimento estudantil que se tornou viva. O AdM tornou possível efetivar uma organização estudantil de porte dentro da UFAL, que fosse a antítese da burocratização, do peleguismo, e que pautasse a universidade pública dentro de uma perspectiva radical classista. Isto não foi pouco, muito menos tudo, apenas conseqüência da militância organizada e de uma conjuntura que propiciou as condições para tal fato.

Este breve histórico (e sua análise) não é somente para reavivarmos nossa memória. A definição do AdM hoje carrega em si este histórico e, não menos importante, junto com as expectativas cunhadas – passadas e presentes – provenientes dele. Enfim, mesmo sabendo que nosso passado não nos condena (pelo contrário), tampouco ele nos isenta de desafios e lacunas que o próprio tempo trata de evidenciar. Tal reconhecimento deve mostrar que nossos propósitos estão obviamente inconclusos, e provavelmente sempre estarão, mas nos obriga a continuar perseguindo-os.

Dos Princípios e concepções:

Defendemos um movimento feito verdadeiramente pela base, sem retórica e sem concessões, ao lado dos trabalhadores na luta de classes e por uma universidade pública, gratuita e de qualidade, que não reproduza meramente o status quo.

O que pode ser problemático é a nossa capacidade de agir com o volume e a profundidade necessários. Ter esta estratégia fixada é uma coisa, outra é dar ressonância e conseqüência maior a ela. Para tanto é preciso ter uma grande militância, que seja ao mesmo tempo: intensa, qualitativa, quantitativa e organizada. Ou seja: precisamos de um número de companheiros (as) que possa dar conta de toda a demanda do movimento; de uma organização que nos propicie agilidade e unidade; de compreensão teórica e capacidade de intervenção política; e, não menos importante, de disposição de luta, pois sabemos que esta se constrói a cada dia. O combate ao praticismo não requer somente uma práxis ideologicamente segura que engendre dialeticamente teoria e prática como meio de transformação, e sim tudo isto inexoravelmente somado a uma militância sempre presente e contínua. Para realizar de fato a concepção de um movimento feito pela base é preciso, antes de tudo, estar nela e dar conseqüência real a todos os passos. Temos que ter na mesma medida uma teoria que corresponda à prática e uma prática que corresponda à teoria. Assim deve ser o dia-a-dia do “Além do Mito...”.

O princípio básico de organização para luta, que inclusive procuramos defender intransigentemente dentro da tentativa – em curso – de reorganização do movimento estudantil deve sempre reafirmar-se: defendemos sem pestanejar um movimento estudantil radical e substancialmente democrático. Radical porque deve levar suas lutas às últimas conseqüências de sua potencialidade, sempre condizente com seu programa e ideologia. Significa também ir às causas, sem sectarismos e nunca se valendo de atalhos fantasiosos. Inerente a isso, buscamos a democracia interna, pois movimento social é para pôr a base em luta, colocando os próprios atores (no nosso caso, os estudantes) como protagonistas diretos de sua luta e organização. Ela é substantiva, pois não-ilusória, sem dicotomizar direção e base, sem se manter na mera retórica fácil.

Este princípio básico não é uma sentença moral apriorística que assumimos apenas por conveniência. Ele se relaciona diretamente aos nossos objetivos de luta norteados pela emancipação humana. Movimentos sociais só podem ser realmente transformadores ao adotarem métodos e práticas organizativas correspondentes com as transformações almejadas. Assim como movimentos de massas, são plenos quando as massas assumem o movimento, tomando consciência de suas necessidades e da luta para superá-las. O princípio de democracia interna substantiva nos movimentos deve percorrer todas as fases da luta.

Da organização interna:

Antes de explicitarmos nossa estratégia e em que sentido devemos direcionar nossas lutas, cabe fazermos uma digressão sobre a organização do grupo. Isso se faz importante principalmente para aqueles que ainda não conhecem propriamente a dinâmica do grupo, além do que a reafirmação de certas práticas é sempre bem vinda.

O “Além do Mito...”consiste em uma organização política, independente (de partidos), que congrega estudantes com uma perspectiva de transformação social e tem como base a teoria marxista. Vale ressaltar que esta relação sempre foi muito importante para dar ao grupo uma boa capacidade de mobilização e coesão. Pois, ao invés do que dizem as críticas destrutivas de nossos opositores, o sectarismo nunca foi característica do grupo. Pelo contrário, sempre pudemos agregar e conviver com as diferenças (inclusive, externamente). Entretanto, a relação entre as partes deve obedecer ao objetivo geral, bem como aos princípios previamente traçados. Ou seja, a base que une a todos no grupo é a nossa referência. Não existem conveniências “táticas” que justifiquem recuos que retorçam esta lógica.

Organizamo-nos para intervir no movimento estudantil local e nacional. Deste modo, se faz necessário que tenhamos uma periodicidade de reuniões para debater e planejar nossas intervenções de modo coerente e qualitativo. Assim, nos reunimos semanalmente para tratar das demandas cotidianas e, a cada seis meses realizamos espaços de formação teórica e organização interna do grupo que denominamos “vivência”.

O grupo é internamente horizontal, tal como busca a construção de um movimento estudantil também horizontal. Desta maneira, não há divisão hierárquica no grupo, apenas dividimos funcionalmente as tarefas quando elas surgem. Não temos os que “pensam” e os que “agem”, todos devem construir igualmente, pensando e agindo. No mais, fazer parte do grupo é, além de coadunar com os seus objetivos e princípios, se auto-reconhecer enquanto membro (inclusive como necessário ao coletivo) e participar da construção do mesmo. Não somos uma organização partidária que venha a centralizar seus militantes ou mesmo escaloná-los em ordem de importância e comprometimento. Construir o “Além do Mito...” é participar organicamentedo grupo para, enquanto tal, intervir no e junto ao ME.

As únicas diferenças existentes, não implicando em qualquer desigualdade interna, são as naturais, decorrentes da experiência pelo tempo de permanência no movimento. Em outras palavras, é normal que militantes mais antigos no movimento assumam até uma determinada proeminência, se destaquem pela experiência acumulada. Desnecessário discorrer que isto não implica em direção por parte destes, as decisões são sempre de igual responsabilidade e méritos de todos. Já os militantes mais novos, muitas vezes ainda “verdes” no movimento, tendem a ser mais passivos, daí nossa frequente preocupação em estimular o desenvolvimento desses novos militantes. Dessa forma, isso não significa que existe uma linha que demarque uma diferença substantiva entre ambos, colocando-os uns acima dos outros. Enfim, nenhum antagonismo entre “novos” e “antigos” pode ser tolerado. As diferenças existentes são assessórias, portanto a contribuição de cada um é igualmente necessária.

Das estratégias e táticas:

Em termos gerais as estratégias do grupo já foram apontadas, mas cabe aqui discutirmo-las. Tais estratégias estão, obviamente, ligadas essencialmente à gênese do grupo. No decorrer da nossa história, mudamos em ênfases e alcances, todavia os delineamentos gerais já foram dados desde início. Da mesma forma que os limites das nossas estratégias estavam traçados, neste caso não por nós mesmos, mas pela realidade em si (o que não quer dizer que o processo histórico não se reflita neles). É neste sentido que estratégias devem existir na medida do possível, do realizável historicamente. Ou seja, se propor a algo que de fato não esteja no horizonte histórico, não só é burrice, como também é um meio de fracassar nos objetivos mais imediatos e elementares. As estratégias se sustentam em uma precisa leitura da realidade.

Definindo a estratégia do AdM: a) lutar pela perspectiva do Trabalho na universidade, que na sociedade capitalista significa uma universidade pública, gratuita, de qualidade; neste sentido, lutamos contra os ataques Neoliberais à educação superior. Junto a isso, temos um objetivo político-organizativo no qual se traduz pela: b) reorganização do movimento estudantil, no caso a re-formação de um movimento estudantil de esquerda combativo, autônomo e radicalmente a favor dos trabalhadores na luta de classes. A nossa estratégia compõe uma unidade desses dois pólos que estão necessariamente juntos, apesar de não se identificarem.

Mesmo fazendo uma opção de classe pelos trabalhadores, o AdM não é, tal como o ME, revolucionário, por mais que engendremos uma luta anti-capitalista. Nós atuamos sobre a esfera da educação, a partir da qual não se revoluciona a sociedade. Seria um contrassenso imaginar, em um regime capitalista, uma universidade dos trabalhadores. Da mesma forma que uma universidade pública e gratuita não ultrapassa a sociedade de classes do capital. É precisamente por isso que a luta efetiva por uma universidade pública e gratuita atende aos objetivos do Trabalho, desde que relacionada a uma luta que exceda os muros da universidade e que vise aguçar as contradições do capital e fortalecer o Trabalho em todas as esferas sociais.

A luta contra a Reforma Universitária é uma resistência contra os ataques a universidade que temos hoje (ou que tínhamos, visto já o estágio das mudanças). Por muito tempo vivenciamos um momento defensivo do ME contra esses ataques. Apesar de vivermos em uma conjuntura brutalmente contra-revolucionaria ( ou seja, a revolução não está posta na ordem do dia), é necessário que o Movimento estudantil se articule e se fortaleça nacionalmente no intuito de uma atuação ofensiva e propositiva na construção de um projeto de universidade que queremos, sem perder nosso horizonte estratégico, ou seja a superação do Capital

Para atingir a nossa estratégia, em todas as suas dimensões, é preciso empreender táticas que nos encaminhem no seu sentido. É preciso ter claro que por mais que não seja fácil definir exatamente qual tática é mais adequada dentro da complexidade de cada momento, torna-se necessário todo o esforço e estudo para que a partir da leitura mais próxima possível da realidade, adotemos as táticas mais acertadas, visto que táticas equivocadas podem levar a erros e derrotas históricas com consequências extremamente negativas apara a luta de classes. Por mais que dois revolucionários igualmente comprometidos com a causa defendam táticas bem distintas para determinada situação, não significa que as duas são igualmente adequadas. A estratégia visada, com seus inerentes princípios, e o processo histórico circunscrevem os limites possíveis das táticas acertadas. A tática não é meramente uma construção subjetiva. Eis aí nossa principal tarefa e responsabilidade enquanto Grupo “Além do Mito...”.

Aqui seria impossível definir quais táticas visamos adotar além do nível mais abstrato que fizemos. Podemos no máximo apontar alguns modos necessários nos quais elas se inserem. Deste modo, a discussão abaixo é essencial no presente contexto, sendo fundamental para a intervenção do AdM.

As táticas só se constituem enquanto efetivas mediações para os objetivos estabelecidos quando articuladas organicamente. Do contrário, as ações parciais perdem o sentido e tendem a se neutralizar. Portanto, é preciso que encaremos o ME enquanto um todo unitário, por mais que ele tenha suas subdivisões organizativas (entidades de base, geral, de área). A sua intervenção deve se encaminhar em um sentido e para o mesmo fim, sem deixar de resguardar as especificidades próprias de cada campo de atuação. As particularidades de cada curso com seu correspondente movimento ganham dimensão real na totalidade que se inclui. Assim, deve-se direcionar a práxis que deseja apreender o geral e o específico. Não há como intervir no todo sem entender suas partes, bem como as partes são incompreensíveis excluídas da totalidade.

Estamos hoje em luta contra a Reforma Universitária Neoliberal, não apenas contra a precarização deste ou daquele curso. Se limitarmos a luta a um curso qualquer (particularidade) o resultado óbvio é o fracasso, pois implica no não reconhecimento de todo complexo que é responsável pela precarização do curso em questão. Fatalmente não atacaríamos os fatores causais e os seus respectivos agentes decisivos, colocando todo nosso empenho em um beco sem saída. Agora, se articulamos a luta no curso em particular a todo o complexo que faz parte, não só tornamos possível a não- precarização deste ou daquele curso, como ainda aumentamos nossa possibilidade real de vitória total, pois faríamos um embate que contemplaria o sentido geral com suas particularidades. Neste sentido é preciso que a militância do ME direcione sua luta.

O próprio ME deve ser uma unidade orgânica, sem a qual não haverá movimento reorganizado. O “Além do Mito...” visa justamente ser um instrumento para tal. Um instrumento que, por um lado, sozinho não é capaz de garantir estes objetivos, mas que, por outro, é indispensável para essa articulação do ME dentro da UFAL.

A experiência recente do ME da UFAL é demonstrativa, presenciamos o descompasso de interesses entre entidade geral (DCE) e entidades de base (CA´s). De um lado, CA´s e DA´s dispostos à luta, mas que eram podados pela direção do DCE e acabavam sucumbindo às suas próprias limitações. Inclusive as últimas atuações gerais do movimento que tiveram consequências reais foram baseadas em frentes de atuação por fora do Diretório Central dos Estudantes, o qual teve que vir à reboque do próprio movimento, mesmo a contragosto. O inverso, caso acontecesse, se revelaria tão prejudicial quanto, pois um DCE voltado para luta precisa de respaldo nas bases, sendo um pólo de articulação dos CA´s. Do contrário, as entidades só se voltariam para seu próprio umbigo, caminho este que leva, no mínimo, à paralisia e, no máximo, à burocratização e aparelhamento.

Sendo assim, se queremos reorganizar o ME pela base e lutar contra os ataques neoliberais à educação superior precisamos hegemonizar nossas concepções por todo o movimento, em todas as suas instâncias. Isto é, precisamos que nossa militância se faça presente e atuante em todos os níveis, participando em harmonia tanto do movimento em seu próprio curso (junto à sua base) como do movimento geral. O AdM precisa, portanto, ocupar os CA´s e DA´s e o movimento geral, para que – dentro dos princípios acima explicitados – tenha capacidade real de intervenção no ME, fortalecendo-o para a luta. Se ficássemos unicamente junto ao movimento geral acabaríamos nos afastando das bases, sendo então incoerentes com nossas concepções, do mesmo modo que, se nos restringimos aos movimentos de área sacrificaríamos todo o nosso projeto.

O momento histórico atual sempre é importantíssimo, a conjuntura vivida sempre é extraordinária, os próximos desafios sempre são difíceis e as tarefas sempre estão inconclusas. Nós do AdM não nos negamos a viver tudo isto e, se não conseguimos nos livrar da doença congênita do ME de cair regularmente em refluxos, pelo menos nos organizemos para tornar nosso ápice avassalador!

ALÉM DO MITO QUE LIMITA O INFINITO!

O “Além do Mito...” se reúne todos os sábados, na Praça Sinimbú, a partir das 14h. Participe!

Contatos: http://grupoalemdomito.blogspot.com